O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira, 23, se um recurso da Uber que discute o vĂnculo de trabalho entre motoristas e a plataforma tem repercussão geral. Ou seja, se o julgamento servirĂĄ de norte para ações que envolvem outras plataformas, como iFood e Rappi. O relator é o ministro Edson Fachin, que jĂĄ votou a favor da existĂȘncia de repercussão geral. A anĂĄlise ocorre no plenĂĄrio virtual que vai até a próxima sexta-feira, 1Âș de março.
O objetivo da repercussão geral é uniformizar a jurisprudĂȘncia acerca de um tema que gera decisões divergentes na Justiça. Em seu voto, Fachin apontou que o cenĂĄrio atual tem suscitado grande insegurança jurĂdica. Para o ministro, é preciso conciliar os direitos trabalhistas e os interesses econômicos em jogo, tanto dos motoristas de aplicativos quanto das empresas.
Se for reconhecida a existĂȘncia de repercussão geral, todos os processos que tratam sobre a controvérsia serão suspensos até o STF julgar o tema em definitivo.
De acordo com os dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 2019 até junho de 2023 foram ajuizadas 786 mil ações envolvendo a matéria do reconhecimento de vĂnculo de emprego. Esse tema estĂĄ na 22ÂȘ posição no ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho.
Até agora, o tema vem sendo julgado por meio de decisões monocrĂĄticas. A maioria dos ministros do Supremo tem atendido a pedidos de empresas para reverter decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vĂnculo de emprego. Os pedidos são feitos por reclamações constitucionais - espécie de recurso que visa garantir o cumprimento das decisões do Tribunal.
Os ministros apontam desrespeito à jurisprudĂȘncia do Supremo por parte da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que a Corte permite contratos alternativos à CLT. Fachin é o Ășnico que costuma ser favorĂĄvel às decisões dos juĂzes trabalhistas.
O advogado Ricardo Quintas Carneiro, que representa a Central Ănica dos Trabalhadores (CUT), argumentou ao STF que o algoritmo da Uber "promove a subordinação irrestrita" do trabalhador. Para a entidade, a relação entre motoristas e a plataforma atende aos quatro elementos que configuram o vĂnculo de emprego: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurĂdica (dependĂȘncia). A CUT sugeriu que a Corte promova uma audiĂȘncia pĂșblica sobre a questão.
A advogada da Uber, Ana Carolina Bastos, apontou que a jurisprudĂȘncia da Corte é pacĂfica sobre a inexistĂȘncia de vĂnculo empregatĂcio nessas novas formas de trabalho. "Estamos diante de uma oportunidade para reafirmar esse entendimento, hĂĄ muito consolidado, mas que a Justiça do Trabalho insiste em contrariar", afirmou.
A plataforma defende, ainda, que não hĂĄ precarização do trabalho na relação com seus parceiros. "Os motoristas parceiros se valem de ampla autonomia e flexibilidade para usar os aplicativos, muitos deles sequer consideram a possibilidade de reconhecimento desse vĂnculo porque mantém outros tipos de atividades em paralelo", afirmou Bastos.
Em 2018, o Supremo validou a terceirização da atividade-fim das empresas e fixou tese para determinar que "é lĂcita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurĂdicas distintas". Esse é um dos precedentes que tĂȘm sido invocados por advogados de empresas para afirmar que não hĂĄ vĂnculo de emprego em contratos de PJ.
JuĂzes trabalhistas e sindicatos, por outro lado, defendem que os casos devem ser analisados individualmente para evitar a ocorrĂȘncia de fraude à relação formal de emprego - quando PJs são criados somente para contornar a lei trabalhista e afastar a incidĂȘncia de tributos.
Em outubro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) relatou preocupação com as decisões da Corte que cassaram vĂnculo empregatĂcio e disse ver risco para a arrecadação da União e o caixa da previdĂȘncia social.